quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A historia de um objeto de guerra

Quando nasci o sol não existia era trevas, breu e ódio. Não me lembro exatamente o local, parece-me que o tempo já está começando a fazer seu trabalho, porém sei que era um local de arenoso, de guerra, de sangue e de morte. Posso me considerar um homem de sorte por ter sido escolhido para sair daquele lugar. Fui transportado sorrateiramente até chegar ao meu destino final na América do Sul. O nome do país era Brasil e a cidade Rio de Janeiro, estava tão ocupado nesta época que não tive a oportunidade de conhecer melhor o estado. Mas, posso te dizer que conhecia a comunidade de Manguinhos, onde vivia como a palma das minhas mãos.
Nunca fui uma pessoa de muitas amizades, afinal meu companheiro era o dono do morro e os moradores tinham medo dele, talvez se o conhecessem em sua essência como eu a opinião delas mudaria. Só eu sabia o que ele tinha passado em sua infância, dos seus medos, de suas aflições, do seu amor pelos filhos que não visitava, de seus inimigos que queriam vê-lo morto e as pessoas que ele executou a sangue frio. Não o condeno por alguns de seus atos, afinal impor respeito é difícil e o medo sempre ajuda.
Nossa amizade poderia ser considerada um relacionamento entre um cavaleiro e seu vassalo, ele me levava para todos os lugares e eu aguardava, fielmente, que ele precisasse de mim. Até que esse dia chegou.
Era uma noite, como todas as noites de um pais tropical, quando as caveiras começaram a subir silenciosamente anunciando a morte.Um por um os soldados da comunidade começaram a cair,entretanto o mais destemido deles antes de sucumbir ao sangue que lhe entalava a garganta conseguiu dar seu sinal.O som dos fogos,acho que jamais irei esquece-lo,pois foi neste momento que a guerra começou e eu fui requisitado.
A correria, as explosões, os gritos, tudo em uma sinfonia aterrorizante a única opção que restou era fugir uma vez que a comunidade já havia sido tomada. Corremos para o barraco que ficava no topo do morro lá poderíamos nos esconder em um alçapão camuflado,porém o destino não queria que assim fosse.Os vultos negros forram mais rápidos e todos os que nos acompanhavam jaziam na frialdade inorgânica da terra com os operários da ruína a espreitar-lhes os olhos.
Atingido na perna, meu companheiro me lançou para agir e a ultima coisa que vi foram seus pensamentos fugindo de sua cabeça.
Fui o mais rápido que pude em direção a uma casa e imperceptivelmente entrei e parei dentro de uma criança que dormia despreocupada. Ela fez um pequeno ruído acordando a mãe que dormia ao seu lado. O grito de desespero ainda ecoa na minha cabeça, o amor de mãe não a deixou pensar e ela continuou gritando pela filha ensangüentada. O pai, mais racional, arrancou a filha dos braços da mãe, correu para a rua, pegou o primeiro carro que encontro e levou a menina para o hospital mais próximo o Hospital de Bonsucesso. A menina de apenas 11 anos de idade chegou a ser encaminhada para a cirurgia para que me retirasse de sua carne porem, com um pequeno furo, fiz um grande estrago. Retalhei o interior de sua barriga e a deixei sonhando pela eternidade.
O dedo que puxou o gatilho foi o verdadeiro culpado. Não sei o porquê de o gatilho e eu sermos criados. Eu sou o ódio, o rancor, a ambição inescrupulosa, o dinheiro, eu sou a criação gerada do que há de pior na humanidade. Não tenho culpa pelo sangue que derramo dia após dia através das guerras, através do tempo. Mas, ainda assim, matei e mato sem saber o que estou fazendo.

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